segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Centésimo Post - Aquecimento Global


As mudanças climáticas e a lei
Até a administração Bush começou a reconhecer as obrigações legais dos Estados Unidos para enfrentar o aquecimento global

por Jeffrey Sachs


As negociações globais para estabilizar o efeito-estufa das emissões de gases no período até 2012 começarão em Bali este mês. As principais nações emissoras – que incluem Estados Unidos, China, União Européia, Índia,Canadá, México, África do Sul e Brasil – afirmaram recentemente seu compromisso de chegarem a um “amplo acordo” nas negociações. Prometeram também contribuir com sua “cota justa” para estabilizar a emissão de gases, impedindo “a perigosa interferência antropogênica com o sistema climático”.Um dos maiores, senão o maior dos obstáculos para este acordo internacional tem sido, é claro, os próprios Estados Unidos. O país não só não ratificou o Protocolo de Kyoto – o plano internacional de um tratado para limitar emissões até o ano 2012 – , como não levou adiante qualquer estratégia significativa de estabilização. Um dos mais chocantes aspectos do fracasso norte-americano tem sido seu desprezo pelas leis internacionais e domésticas. Mas esta ilegalidade está prestes a ser revista.

Em anos recentes, a política internacional unilateral dos Estados Unidos tem vergonhosamente ignorado ou transgredido aspectos incontáveis da lei internacional, desde a Convenção de Genebra até os tratados multilaterais sobre o ambiente de que são signatários.Esta impudência comprometeu o centro das discussões políticas no país. Considere um artigo assinado por dois distintos professores de direito da University of Chicago, que argumentaram no Financial Times do dia 5 de agosto que os Estados Unidos não têm obrigação de controlar gases poluentes e que, se outros paises não gostarem de como o país se comporta, podem pensar em pagá-lo para cortar suas emissões. Assombrosamente, os professores de direito negligenciam o fato de que os Estados Unidos já estão comprometidos em agir para estabilizar gases poluentes na atmosfera pela Convenção de Mudanças Climáticas da ONU, assinada pelo presidente George H. W. Bush e ratificado pelo Senado em 1992, e que entrou em vigor em 1994. O tratado estabelece especificamente que os países desenvolvidos deveriam liderar o combate às mudanças climáticas e “adotar políticas nacionais... consistentes com o objetivo da Convenção”, ou seja, a estabilização da emissão de gases de efeito estufa em um nível que previne interferências perigosas no sistema climático.

A afirmação deles de que os Estados Unidos não têm obrigação de evitar danos ao clima está em flagrante contradição com a convenção, que declara em seu preâmbulo que “de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios da lei internacional... [os Estados têm] a responsabilidade de assegurar que as atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao ambientes de outros Estados ou áreas além dos limites da jurisdição nacional.”Ironicamente, esses professores de direito fogem da lei internacional até mais rápido que a administração Bush. John B. Bellinger III, conselheiro legal do Departamento de Estado, enfatizou recentemente o compromisso da administração com a lei internacional e se referiu sua sujeição a uma mudança pós-2012 nos tratados sobre mudanças climáticas neste contexto. Ele citou a secretária de estado Condoleezza Rice, que disse que “a autoridade moral da América na política internacional também depende de nossa habilidade de defender leis e tratados internacionais”.

A Suprema Corte também entrou na história recentemente para enfatizar que a lei nacional dos Estados Unidos obriga a uma ação federal mais forte para mitigar a alteração do clima. O estado de Massachusetts, entre outros querelantes, processou a Agência de Proteção Ambiental por seu fracasso em regular a emissão de dióxido de carbono por automóveis. A Agência argumentou que o dióxido de carbono não era um poluente sob o Ato do Ar Limpo, e que o estado de Massachusetts não poderia processá-la porque não tinha base legal para fazê-lo, e que qualquer ação da agência teria um efeito mínimo nas mudanças climáticas. A corte derrubou firmemente todas as defesas da agência para sua inação: notou que ela é obrigada a regular qualquer poluente deletério emitido por veículos motorizados; que o dióxido de carbono claramente se encaixa nesta categoria; que Massachusetts decidira processar porque a mudança climática já estava erodindo parte de sua costa, e que o estado era vulnerável a perdas costais consideravelmente maiores neste século se a mudança climática não for mitigada. Além disso, enfatizou que mitigar as emissões de veículos nos Estados Unidos teria um efeito significativo no ritmo da mudança climática. Por todas essas razões, a Corte decidiu que a Agência era obrigada a agir. A obrigação de reduzir a emissão de gases poluentes já é portanto a lei do país, e está mais que na hora de começarmos a respeitar essas leis. Não devemos fazer isso apenas porque é importante honrarmos nossos compromissos legais, mas porque assumimos esses compromissos por razões de sobrevivência e bem-estar. Mesmo uma administração que arrastou os pés durante sete anos está começando a encarar esta realidade.


Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu)

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