sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Cafezinho com veneno - Sônia Hess

CAFEZINHO COM VENENO
Dra. Sônia Hess (Professora da UFMS)

Cada vez que um homem bebe cafezinho servido em um copo plástico, está incorrendo em risco de ter sua fertilidade diminuída, adoecer de câncer de próstata e passar por um processo de feminilização. Quanto às mulheres, os riscos são de adoecerem de câncer de mama, útero, ovário e, se estiverem grávidas, de seus bebês do sexo masculino nascerem com deformidades em seus órgãos sexuais. Estas afirmações parecem fazer parte de uma brincadeira de mau gosto mas, infelizmente, não fazem. Desde o início da década de 1990, têm sido divulgados estudos científicos que demonstram que plásticos utilizados para acondicionarem alimentos contém substâncias que apresentam intensa atividade estrogênica, ou seja, agem como hormônios femininos (estrógenos). Também há estudos correlacionando a exposição a estes substâncias artificiais ao desencadeamento de problemas no funcionamento da tireóide e do pâncreas. O pâncreas é responsável pela produção de insulina, que regula a taxa de glicose no sangue. Seu mau funcionamento resulta em doenças graves, como a diabetes. Já a tireóide regula diversas funções no organismo, e sua falência também leva a sérios problemas de saúde.

Além de materiais que compõem os plásticos, como os alquilfenóis (principalmente o nonilfenol), ftalatos (presente em filmes e utensílios de PVC) e bisfenol A, também apresentam atividade estrogênica intensa uma infinidade de outras classes de substâncias que fazem parte da composição de agrotóxicos, resíduos industriais e, até, da fumaça proveniente da queima de lixo contendo plásticos à base de PVC (dioxinas e furanos).

A atividade estrogênica do bisfenol A (“bisphenol A”) foi descoberta por acaso, quando uma equipe coordenada pela pesquisadora Ana Sotto (da Flórida) realizava pesquisas com células de câncer de mama. Os pesquisadores perceberam que as células de câncer começaram a se multiplicar, como se estivessem expostas a estrógenos, sem que nenhuma substância com tal atividade tivesse sido propositalmente acrescentada ao meio de cultura. Após meses de investigações, os pesquisadores descobriram que o bisfenol A era a substância responsável pela indução da multiplicação das células cancerosas, e que o mesmo fazia parte da composição dos recipientes plásticos (à base de policarbonato) empregados naquele laboratório. Depois deste estudo pioneiro, vieram diversos outros, que demonstraram que o bisfenol A também migra para os alimentos acondicionados em latas de conserva revestidas com resina branca, e que esta substância alcança concentrações tais nos alimentos, que são suficientes para induzirem a reprodução das células de câncer de mama, em laboratório. O mesmo foi detectado para o bisfenol A presente na saliva de pacientes que fizeram restaurações dentárias com resina branca, que é composta, basicamente, por esta substância. É importante ressaltar que, quanto maior é o tempo e a temperatura em que o alimento permanece em contato com o material plástico, mais intensa é a transferência dos estrógenos ali presentes. Portanto, é extremamente perigoso consumir alimentos que, aquecidos, tiveram contato com fontes de estrógenos artificiais como, por exemplo: carnes assadas, embaladas em contato com filmes de PVC (contendo ftalatos) quando ainda estão quentes; café e outras bebidas quentes servidas em copos plásticos (à base de poliestireno, contendo nonilfenol); alimentos aquecidos em fornos de microondas, dentro de recipientes plásticos (contendo PVC); alimentos em conserva, embalados em latas revestidas por resina branca (bisfenol A); etc.

Os nonilfenóis (“nonylphenols”) são estrógenos artificiais que fazem parte da composição de diversos detergentes e plásticos, de amplo emprego. Seus efeitos também foram descobertos por acidente, quando pesquisadores investigavam por que os peixes do sexo masculino, que viviam em pontos de descarga de efluentes de estações de tratamento de esgotos domésticos, na Inglaterra, estavam passando por um processo de feminilização. Os nonilfenóis estavam presentes na água daqueles rios em concentrações muito baixas, mas testes em laboratório revelaram que, mesmo em tais concentrações, estas substâncias eram capazes de induzir a mudança de sexo nos peixes e em outros seres aquáticos. O mais alarmante foi que, em testes de laboratório, os nonilfenóis ocasionaram má-formações nos órgãos sexuais de filhotes de ratas e de outros mamíferos cujas mães haviam bebido, durante o início da gestação, água com concentrações baixíssimas destas substâncias. Portanto, durante a gestação, as mães transferem estes poluentes para seus filhos, que têm sua capacidade reprodutiva afetada e maiores chances de adoecerem de câncer, durante o seu desenvolvimento.

Considerando a amplitude do emprego dos plásticos, detergentes e outras fontes de estrógenos, em nosso cotidiano, é improvável que alguém consiga eliminar estes materiais do seu convívio, para proteger a sua saúde e a de seus descendentes. Portanto, além da destruição da camada de ozônio e das mudanças climáticas, ainda vamos deixar de herança, para nossos descendentes, o risco de perderem a capacidade de perpetuarem a espécie.

Artigo publicado no Jornal Correio do Estado

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Sônia!!!!
Parabéns por esses artigos....gostei muito de lê-los....
estou fazendo um levantamento bibliográfico para a minha monografia...sou veterinária me especializando em felinos e quero fazer pesquisa com contaminação ambiental...disruptores endócrinos...pretendo escolher tiróide...os gatos podem ser "sentinelas" ...gostaria de conversar com vc...um abraço...obrigada
Alessandra alepcg@yahoo.com.br

Maria Amélia disse...

Olá Drª Sonia.
Postei em meu Blog : http://www.arterabiscoseletras.blogspot.com/ a receita de um Arroz feito na garrafa PET, e recebi um comentário me orientando ler o seu artigo.
Realmente, é preocupante a quantidade de utensílios plásticos usado em nosso dia a dia.
Gostaria que comentasse o a minha receita. Se realmente é perigoso o consumo do arroz feito na garrafa PET.
Obrigada.
Maria Amélia